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terça-feira, janeiro 07, 2003

Relatos sobre o mau humor.

Quando estou com fome fico mau humorada. E nem percebo.
Acabamos mordendo o primeiro transeunte desavisado, se ele tiver a audácia de olhar pra você, mesmo que isso não signifique absolutamente nada. De onde vem o mau humor? Me sinto um buldogue velho rosnando ao olhar pro osso no prato do outro. E mordo forte! Nhac!
Pessoas burras me deixam mau humorada. Não gosto de ficar explicando coisas que pra bom entendedor meia palavra basta. Você diz "uva" e Fulano pergunta "por que?". E você explica, explica, explica. Mesmo sendo óbvio, Fulano não entende. E você perde a paciência e o bom humor já está em órbita...

É uma coisa engraçada: por algum motivo inexplicável acordo sempre de mau humor. Se tiver que acordar cedo, o mau humor triplica e pode alcançar proporções catrastóficas. Se tiver que acordar cedo pra perder tempo com alguma tarefa irrelevante, pior ainda.
Uma vez fui trabalhar num consórcio de automóveis. Passei uma semana no meio de pessoas com diferentes histórias, que buscavam um único ideal: dinheiro. Entre os competitivos colegas, havia até um professor de matemática que queria aumentar a renda familiar e foi tentar vender carros. Não sei como eles se sairam.
Enfim, tinha que acordar cedo e pegar dois ônibus para ir até o local. Chegando lá, havia pelo menos uma hora perdida entre reuniões pseudo-motivacionais, que na verdade, apenas serviam pra desmotivar os profissionais de vendas. Servia no máximo pra ridicularizar e desesperar os que não venderam no dia anterior. Na verdade, tudo o que eu queria naquelas horas matinais, era estar dormindo na minha cama quentinha. E estava lá, em meio ao freak show de salto alto fingindo achar tudo aquilo algo interessante. Tolos...

Aquilo devia servir apenas pra aumentar a úlcera dos vendedores. "Se não vender; rua." - diziam os gerentes, enquanto tocavam enrurdecedores sinos. Rituais bárbaros em pleno século 21. Os vendedores de sucesso da empresa, tinham histórias ardilosas. Vendiam carros para entregadores de marmitex, cujo salário do mês destinaria-se totalmente para pagar a parcela do automóvel, distribuídas em 5 anos de dívida. Para eles, não importava se o cidadão teria ou não condições de se dar ao luxo de ter um carro. Não interessava se o office-boy não tinha moradia própria. Os argumentos hipnóticos influenciavam as vítimas a assinar contrato. Pois afinal, o mundo é assim, competitivo. E tudo o que eles queriam, era a mísera comissão de 0,8%. O mundo é cruel e mau humorado.

Mau humor de fritar durante o dia num calor insano e ficar em pé no ônibus lotado. Aquilo é desanimador. Principalmente se um velho engraçadinho finge esbarrar pra te encoxar. Uma única vez que isso aconteceu, quase esmurrei o desgraçado. Não posso chegar sorrindo em casa após fazer parte do teatrinho do cotidiano.
Mas tudo passa. E o mau humor se esvai. E podemos sorrir felizes por pequenas bobagenzinhas, sem pensar no resto.
Apenas não me deixem com fome. Obrigada.

Cabelos azuis 8:05 p.m. °

"Os que escrevem com clareza têm leitores, os que escrevem de maneira obscura têm comentaristas."
Albert Camus

Cabelos azuis 3:04 a.m. °